quinta-feira, maio 13, 2004

Ano Um / Número 1

--------- «(.)(.)» ---------
Tábua de Matérias

§ 1. Voraussetzungen.
§ 2. Dito e Feito, por P.D.
§ 3. Oração*, Ludwig Wittgenstein
§ 4. Recensão
§ 5. Playmate absoluta do momento I
§ 6. A Explicação das Pássaras, por A.H.
§ 7. Conto - Charles Bukowski
§ 8. De Catástrofe em Catástrofe, (1) entrevista exclusiva a Thomas Bernhard, sem kind permission da Quimera.
§ 9. De Saída: Número 2 em preparação...

--------- «(.)(.)» ---------

§ 1. Voraussetzungen.

Este blogzine pretende-se, afirma-se, qual Vale dos Reis em pleno deserto, multiglota, anti-liberal (melhor, para que se entenda, desprezando em absoluto o liberalismo), no sentido, entre outros, de ignorar o mais possível a cada um dos seus proprietários todas as formas (sobretudo humanas) contemporâneas e passadas de sagrado, e o que a seguir se escreverá.

A propriedade do Saca, como há-de ser cumprido, reflecte o mais infielmente que aprouver uma série de reflexões cuja principal utilidade será a própria de cada um. Nada de fanchona reflexão, antes misogínia pós-iluminada, a saber, um solipsismo com sexo dentro e fora de bordas, de gonzos e limitações.

Abolição sem trégua do privilégio. Nada do que é prévio é assimilado espectralmente como Lei. Respeit@-se tão somente a generosidade do crime conquistada pelo próprio, só isso.

Reticências em caso - e o mundo é tudo o que é o caso, a minha propriedade, de veemente necessidade, algum decoro nada burguês, apenas uma questão de sensibilidade e sensatez. O silêncio de décadas, o fumo e o vinho celebrado na água fresca da noite.

Egoísmo até à reticência, até ao non-dire en disant... Tal como, por excepcional exemplo, uma conhecida Bela de dia, ocultando sempre os mais íntimos desejos, fiat Verbum!

O possível freme entre cada sacudidela em bico alheio, sempre conquistado, durante o tempo que nos há-de caber.

Trata-se de escrita, idiotas!

--------- «(.)(.)» ---------

§ 2. Dito e Feito, por P.D.

A ver

Amar. Odiar. Desprezar. Em breve contentamento sempre infeliz, esquecida a leve desilusão de querer mais e não haver poder. Fora da experiência, fora da vida, no tempo, sim, no tempo, sempre. A ver coisas e entes a passar, tudo igual: os amados, odiados e desprezados pela mecânica. Mente e vida. Agir a querer, sem companhia do querido. Sem fazer crer que não é só. Isto a mover-se, irrequieto, sem parar, a passar – e nem lhe tocar, sequer.
Ordenar ao mundo que não. Sim, que isto pare e me o deixe mudar, à mão, só por minha vontade. Por que ages assim? Eu mudo contigo. Tu muda comigo e eu já te ouço. A falar, obedecendo, amar-te-ei ruidosamente em meu poder.
Mas não vi que sim. Surdo, o indiferente nem ódio nem amor. Nada a fazer. Viver sendo, a ver as coisas a passar. A ver o que há. Igual, a mim mas sem mim. Só Tu. Eu. Sem vós.

Se tu outro me obedecesses... estilhaçado em mil, inúmero, para todos, e tudo, ajustado a mil e mais. Feliz o tolo crente. Em arbustos que ardem, aparecendo mãos. Mas larga! Digo eu. Fica aqui e vive-te dentro de onde só cabes. É isso que sabes.
Mais não.

--------- «(.)(.)» ---------

§ 3. Oração*, Ludwig Wittgenstein

Oração*

Was weiss ich über Gott und den Zweck des Lebens?
Ich weiss, dass diese Welt ist.
Dass ich in ihr stehe wie ein Auge in seinem Gesichtsfeld.
Dass etwas an ihr problematisch ist, was wir ihren Sinn nennen.
Dass dieser Sinn nicht ihn ihr liegt, sondern ausser ihr. [Vgl. 6.41]
Dass das Leben die Welt ist. [Vgl. 5.621]
Dass mein Wille die Welt durchdringt.
Dass mein Wille gut oder böse ist.
Dass also Gut und Böse mit dem Sinn der Welt irgendwie zusammenhängt.
Den Sinn des Lebens, d.i. den Sinn der Welt, können wir Gott nennen.
Und das Gleichnis von Gott als einem Vater daran knüpfen.
Das Gebet ist der Gedanke an den Sinn des Lebens.
Ich kann die Geschehnisse der Welt nicht nach meinem Willen lenken, sondern bin vollkommen machtlos.
Nur so kann ich mich unhabhängig von der Welt machen – und sie also doch in gewissem Sinne beherrschen – indem ich auf einen Einfluss auf die Geschehnisse verzichte.


* Ludwig Wittgenstein a 11.06.1916 não usou título. Os nºs remetem, obviamente, para o Tratactus.

--------- «(.)(.)» ---------

§ 4. Recensão

um

"Le remploiement vierge du livre, encore, prête à un sacrifice dont saigna la tranche rouge des anciens tomes; l’introduction d’une arme, ou coupe-papier, pour établir la prise de possession."

Stéphane Mallarmé

I. Os livros e as prostitutas podem levar-se para a cama.
II. Os livros e as prostitutas entrecruzam o tempo. Dominam a noite tal como o dia e o dia tal como a noite.
III. Ao ver os livros e as prostitutas ninguém nota que os minutos lhe são preciosos. Mas quando lidamos com eles mais de perto, então notamos a pressa que têm. Fazem contas também enquanto nos afundamos neles.
IV. Desde sempre os livros e as prostitutas têm entre si um amor infeliz.
V. Os livros e as prostitutas - ambos têm toda a espécie de homens que vivem deles e os atormentam. Os livros têm os críticos.
VI. Livros e prostitutas em casas públicas - para estudantes.
VII. Os livros e as prostitutas - raramente aqueles que os possuiu lhes vê o fim. Costumam desaparecer antes de perecerem.
VIII. Os livros e as prostitutas contam com o mesmo agrado e mentira como se tornaram no que são. Na verdade, frequentemente, nem eles próprios o notam. Durante anos tudo é feito «por amor» e, certo dia, anda na rua como corpus hem carnal, aquilo que «enquanto estudo» pairava sempre por cima dela.
IX. Os livros e as prostitutas gostam de voltar as costas quando se expõem.
X. Os livros e as prostitutas têm muitas crias.
XI. Os livros e as prostitutas - «velha beata - jovem puta». Quantos livros por onde actualmente a juventude tem de aprender não foram difamados!
XII. Os livros e as prostitutas têm as suas zangas diante das pessoas.
XIII. Os livros e as prostitutas – as notas de rodapé são neles o que nelas são as notas na meia.

Walter Benjamin, Rua de Sentido Único

P.D.

dois

Afirma Michel Meyer, na sua nota preliminar de Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, que "Existem cada vez mais homens. Também estão cada vez mais divididos e entram muitas vezes em guerra para resolverem os seus problemas. Mas também podem falar sobre o assunto para negociarem e discutirem acerca daquilo que os opõe. É nesse momento que têm maior necessidade da retórica. Ela dá-lhes a ilusão de abolir as distâncias e por vezes, misteriosamente, é bem sucedida. Todo o interesse da retórica reside nesse mistério."

A retórica invadiu a nossa sociedade de comunicação. Os media e a publicidade, a política e a filosofia, o direito e a literatura, a conversa quotidiana e as ideologias, são doravante outros tantos domínios que ela governa, que dela dependem e a ela recorrem permanentemente. Os homens utilizam-na espontaneamente para agradar, seduzir e dominar, mas também para convencer e raciocinar. Ela consagra, assim, a distância que separa os seres, uma distância que eles se esforçam por negociar a partir dos problemas que os opõem ou os unem.

Em Questões de Retórica, Michel Meyer, que se impôs como um dos nossos grandes teóricos nesta disciplina, propõe simultaneamente uma introdução clara às suas múltiplas categorias - o estilo literário, as figuras, o papel da subjectividade, a argumentação, a sedução, a emoção, etc. -, e uma reflexão aprofundada sobre a linguagem e os seus méritos.

Uma viagem pelas imagens, palavras e frases.

A.H.

--------- «(.)(.)» ---------

§ 5. Playmate absoluta do momento I
Nossa Senhora
Madonna Posted by Hello

--------- «(.)(.)» ---------

§ 6. A Explicação das Pássaras, por A.H.

Ohne Warum

Die Ros' ist ohn' Warum, sie blühet weil sie blühet,
Sie acht't nicht ihrer selbst, fragt nicht, ob man sie siehet.


Angelus Silesius, Cherubinischer Wandersmann, I, 289.


Doíam-lhe aquelas pernas, felizmente apenas duas, e não eram ainda as varizes futuras a doer-lhe, nem tão pouco a alma ou as pe®nas do costume, as suas. Sentou-se num banco de jardim porque, por mero acaso, o cruzava sem pensar em nada, não se sentou ainda num divã. Acabou por pousar os sacos das compras, sem deixar por um segundo de pensar que era exactamente isso, a mínima ideia; que devia ser mais ou menos isso que faziam quase todas as mulheres àquela hora de regresso a casa. E a seguir, que fazer da noite? Uma intelectual não se limita a pousar um par de sacos de plástico cheios de sobrevivência aprazada, ao atravessar inusitadamente do jardim, algumas cervejas, muito tabaco…, pensa, ao enrolar um cigarro para variar. E era apenas o habitual silêncio de uma moral qualquer que lhe doía agora naquelas pernas cansadas, as suas? Como é, de certa maneira, ligeiramente reconfortante ter a certeza absoluta que os fumadores morrem antes da sua hora. Se ao menos pudessemos escrever, como quase todos os poetas as dores alheias, ou simplesmente mesmo horror à dor, acerca das dela por exemplo. Agora sabe bem este cigarro.
E passa nesse momento alguém numa cargo que lhas elogia com um assobio insistente. Que ricas pernas, menina! Como se alguma vez tivesse sido ela uma menina, ou se limitasse a ter umas fabulosas pernas daquelas! Lembrou-se subitamente da passagem dos Tagebücher em que outra espécie mais rara de atrevido afirma, confortavelmente entrincheirado entre soldados, camaradas, que se o suicídio é permitido, tudo é permitido. Andaria ele na altura a ler o Arthur? Há quem pense que sim, mas isso que importa? Imagina-o antes com um desejo irreprimível de suor, de esperma, de batalha que tarda naquela tarde (ou seria noite?). O cheiro dos cavalos em descanso e sobretudo dos outros homens igualmente absortos. Tratava-se de estar em plena I Guerra, como vem nos livros. Hoje em dia seria, no mínimo, desagradável se cheirassem as carnes de alguém e os cavalos já não se comem na Europa.
Ai, as minhas pernas... Sigo.
(...)

--------- «(.)(.)» ---------

§ 7. Conto, Charles Bukowski

MAUVAIS TRIP*

AVEZ-VOUS remarqué que le LSD et la télé en couleurs sont arrivés sur le marché à la même époque? Toutes ces inventions nous matraquent, et que faisons-nous? On interdit le LSD et on fait de la télé merdeuse. La télé, c'est évident, est sabotée par tous ceux qui en font aujourd'hui. Ça ne se discute même pas. J'ai lu récemment qu'au cours d'une descente un inspecteur aurait reçu une bonbonne d'acide qu'un soi-disant fabricant de drogue hallucinogène lui aurait balancée à la figure. Encore un exemple de gâchis! Il y a de bonnes raisons d'interdire le LSD, le DMT, le STP, on peut bousiller définitivement sa tête avec, mais pas plus qu'au ramassage des betteraves ou en bossant à la chaîne chez General Motors, en faisant la plonge ou en enseignant l'anglais dans une fac. Si on interdisait tout ce qui nous rend dingues, toute la société y passerait: le mariage, la guerre, le métro, les abattoirs, les clapiers, les tables d'opération, etc. Tout peut virtuellement nous faire craquer parce que la société repose sur des piliers pourris. D'ici à ce qu'on lui botte le cul et qu'on reparte à zéro, il y a encore du beau temps pour les asiles! Et la réduction du budget des asiles par notre cher gouverneur signifie, à mes yeux, que la société se débarrasse de ceux qu'elle a rendus fous, spécialement en période d'inflation et de déficit de la balance commerciale. On ferait mieux de dépenser notre fric à construire des routes ou bien à arroser les nègres pour les retenir de brûler nos villes. J'ai une idée: pourquoi ne pas massacrer les fous? Pensez à toutes les économies. Ça mange, un fou, il lui faut un trou pour dormir, et puis ces ordures m'ecœurent avec leur manie de pleurnicher, d'étaler leur merde sur les murs. Tout ce dont on a besoin, c'est d'une petite équipe de médecins pour décider qui est fou et d'une paire d'infirmières (ou d'infirmiers) pour baiser avec les psyquiatres.

Bukowski Posted by Hello

Reparlons du LSD. S'il est vrai que moins tu en fourgues plus c'est risqué, on peut dire aussi que plus tu en prends plus c'est risqué. Toute activité créatrice complexe, comme la peinture, la poésie, le braquage de banques, la prise du pouvoir, te mène au point où le miracle et le danger se ressemblent comme des frères siamois. Ça ne marche pas toujours comme sur des roulettes, mais quand ça marche, la vie vaut vraiment le coup. C'est chouette de coucher avec la femme d'autrui mais tu sais qu'un jour tu te feras prendre les fesses à l'air. Ça donne du piquant à l'action. Avec les péchés que fabrique le ciel nous nous construisons un enfer, dont nous avons un réel besoin. Deviens fortiche dans ton truc et tu auras des ennemis. On tire la langue aux champions; la foule brûle de les voir ramper, ça la ramène dans sa merde. On n'assassine pas tellement les pauvres types; un gagneur risque d'être descendu avec un fusil acheté par correspondance (comme le veut la légende), ou avec sa propre carabine dans un bled appelé Ketchum. Ou comme Adolphe et sa pute : la chute de Berlin à la dernière page du roman.
Le LSD peut te démolir aussi parce que ça n'est pas vraiment fait pour les ringards. D'accord, un mauvais trip épuise comme une mauvaise pute. La baignoire pleine de gin et le whisky de contrebande ont déjà eu leur heure de gloire. La loi sécrète une maladie : le marché noir du poison. Mais, au fond, la plupart des mauvais trips viennent de ce que l'individu est empoisonné d'avance par la société. Quand un homme s'angoisse pour son loyer, les traites de sa voiture, le réveille-matin, l'éducation du gosse, un dîner à dix dollars avec sa petite amie, l'opinion du voisin, le prestige du drapeau ou les malheurs de Brenda Starr, une pilule de LSD a toutes les chances de le rendre fou parce qu'il est déjà fou en un sens, écrabouillé par les interdits sociaux et rendu inapte à toute réflexion personnelle. L'acide ne vaut que pour les hommes qu'on n'a pas encore engagés, qu'on n'a pas encore enculés avec la grande Peur qui fait marcher tout le système. Malheureusement, la plupart des gens se croient plus libres qu'ils ne sont, et la génération hippie se trompe quand elle décide de ne pas faire confiance aux plus de trente ans. Trente ans, ça ne veut rien dire. La plupart des gens se font coincer et mouler, en bloc, dès l'âge de sept ou huit ans. Beaucoup de jeunes ont l'AIR libre, mais ce n'est qu'une chimie des cellules, de l'énergie, pas un fait de l'esprit. J'ai rencontré des hommes libres dans les endroits les plus bizarres et de TOUS les âges, des portiers de nuit, des voleurs de voitures, des laveurs de voitures, et quelques femmes libres aussi, surtout des infirmières ou des entraîneuses. Un être libre, c'est rare, mais tu le repères tout de suite, d'abord parce que tu te sens bien, très bien, quand tu es avec lui.
Un trip au LSD te fait voir des choses qui échappent aux règlements. Ça te fait piger des trucs qui ne sont pas dans les manuels et dont tu ne peux pas te plaindre à ton conseiller municipal. L'herbe ne fait que rendre la société actuelle plus supportable; le LSD est déjà en soi une autre société.
Si tu respectes la loi, rien ne t'empêche d'étiqueter le LSD comme «drogue hallucinogène», ce qui est un moyen facile de s'en tirer et de ne pas poser de questions. Mais l'hallucination, d'après le dictionnaire, dépend de l'endroit d'où tu agis. Tout ce qui t'arrive au moment où ça t'arrive au moment où ça t'arrive devient la réalité, que ce soit un film ou un rêve, baiser ou tuer, être tué ou manger un ice-cream. Les mensonges viennent après; ce qui doit arriver arrive. L'hallucination, ce n'est qu'un mot dans le dictionnaire. Pour un homme qui meurt, la mort est toute la réalité; pour les autres, ce n'est que de la malchance ou un mauvais moment à passer.
Forest Lawn s'occupe de tout. Quand on admettra qu'il faut de TOUT pour faire le monde, alors on aura une chance. Tout ce qu'un homme voit existe. Ca ne vient pas d'une force étrangère et c'était là avant sa naissance. Ne lui reproche pas de le découvrir aujourd'hui, et ne lui reproche pas de devenir fou parce qu'on ne lui a pas appris que l'aventure est sans fin et que nous sommes tous des petits paquets de merde et rien d'autre. Le mauvais trip ne vient pas du LSD, mais de ta mère, du Président, de la petite fille d'en face, des vendeurs d'ice-creams aux mains sales, d'un cours d'algèbre ou d'espagnol obligatoire, ça vient d'une odeur de chiottes en 1926, d'un type avec un long nez quand tu croyais que les longs nez étaient laids, ça vient d'un laxatif, de la brigade Abraham Lincoln, des sucettes ou de Bugs Bunny, ça vient de la tête de Roosevelt, d'un verre de vinaigre, de passer dix ans dans une usine et te faire virer parce que tu as cinq minutes de retard, ça vient de la vieille outre qui t'a appris l'histoire de ton pays en sixième, de ton chien qui s'est perdu sans que personne ne t'aide à le retrouver, ça vient d'une liste longue de trente pages et haute de cinq kilomètres.
Un mauvais trip? Ce pays tout entier, cette planète est dans un mauvais trip, l'ami. Mais on t'arrêtera si tu avales une pilule.

Bukowski Posted by Hello

Je reste fidèle à la bière parce que, au fond, à quarante-sept ans, ils m'ont bien harponné. Je serais pour le coup un vrai dingue si je croyais avoir échappé à tous leurs filets. Je crois que Jeffers le dit joliment bien quand il dit, en gros, attention aux pièges à con, l'ami, il y en a partout, il paraît que même Dieu y est tombé quand Il a débarqué sur la Terre.
Certes, nous sommes désormais quelques-uns à penser que ce n'était pas forcément Dieu qui débarquait, mais, qui que ce fût, il connaissait de sacrés bons coups. Nous avons seulement l'impression qu'il parlait trop. Ça arrive à tout le monde. Même à Leary. Ou à moi.
On est aujourd'hui samedi, il fait froid et le soleil va se coucher. Que faire l'après-midi? Si j'était Liza, je me peignerais les cheveux mais je ne suis pas Liza. Bon, j'ai un vieux National Geographic et les pages brillent comme des vrais paysages. Evidemment, ce sont des faux. Autour de moi dans l'immeuble, ils sont tous soûls. Une pleine termitière de pochards. Les dames passent sous ma fenêtre. Je pète, je murmure un «merde» tendre et fatigué, puis j'arrache cette page de ma machine. Elle est à toi.

Charles Bukowski, "Hank", San Francisco, 1967-1972, Erections, ejaculations, exhibitions and general tales of ordinary madness, no original. Aqui Grasset 1982, Nouveaux contes de la folie ordinaire, 135-139.

*Cortesia de Renate.

--------- «(.)(.)» ---------

§ 8. De Catástrofe em Catástrofe, (1) entrevista exclusiva a Thomas Bernhard, sem kind permission da Quimera.

De Catástrofe em Catástrofe (1)

- Nunca sabemos quem somos. São os outros que nos dizem quem somos, não é? E como ouvimos isto milhões de vezes durante a vida, por pouco que esta seja longa, acabamos por não saber em absoluto quem somos. Todos dizem uma coisa diferente. Até nós mesmos estamos sempre a mudar de parecer.

- Existem seres dos quais dependa, que tenham uma influência decisiva na sua vida?

- Somos sempre dependentes das pessoas. Não há ninguém que não dependa de algum ser. O homem que estivesse sempre a sós consigo mesmo acabaria por se afundar ao fim de muito pouco tempo; morreria. Acredito que para cada um de nós existem seres decisivos. Eu conheci dois na minha vida: o meu avô paterno e uma pessoa que conheci um ano antes da morte de minha mãe. Foi uma relação que durou mais de trinta e cinco anos. Tudo o que me dizia respeito provinha dessa pessoa, dela aprendi tudo. E com a sua morte também desapareceu tudo. Nesse momento encontramo-nos sós. Ao princípio gostaríamos de morrer também; depois, pomo-nos a procurar todas as pessoas que ainda temos, todas aquelas que deixámos esquecidas ao longo da vida. Nessa altura encontramo-nos muito sós. Há que aprender a viver com isso.
Quando me encontrava só, fosse onde fosse, soube sempre que essa pessoa me protegia, me mantinha e também que me dominava. Depois tudo desapareceu. Estamos no cemitério. Estão a fechar o túmulo. Tudo o que possuiu algum significado foi-se. Nessa altura acordamos todas as manhãs com um pesadelo. Não se trata forçosamente de querermos continuar a viver, mas também não queremos dar um tiro na cabeça, ou enforcar-nos. Isso parece-nos feio e desagradável. Então só restam os livros. Os livros desabam sobre nós com todos os horrores que neles se podem escrever, mas de portas para fora continuamos a viver como se nada fosse, para evitarmos que quem nos rodeia, que está sempre à espreita das nossas debilidades, nos devore. Por pouco que os deixemos aproximar, abusarão de nós e submergir-nos-ão num mar de hipocrisia. Nesse momento a hipocrisia denomina-se compaixão. É a definição mais bela da hipocrisia.

Thomas Bernhard Posted by Hello
Tal como disse antes, é difícil, depois de trinta e cinco anos de convivência com uma pessoa, encontrarmo-nos de repente sós. Isto é algo que apenas as pessoas que viveram uma experiência parecida podem entender. Tornamo-nos subitamente cem vezes mais desconfiados do que antes. Tornamo-nos mais frios do que anteriormente já nos apelidavam. Ainda mais reservados. A única coisa que nos salva é o facto de não termos de morrer à fome.
Na realidade, esta vida não é propriamente aquilo que se diz agradável. Sem contar com a própria decrepitude. Um desmoronamento total. Apenas nos metemos em casas com elevador. Ingerimos um quarto de litro de vinho para almoçar, outro quarto para jantar. Torna-se mais ou menos suportável. Mas quando ao almoço se bebe já meio litro, então, passamos muito mal a noite. A vida reduz-se a este tipo de problemas. Tomar comprimidos, não tomá-los, quando tomá-los, para quê tomá-los. Vamos enlouquecendo de mês para mês, porque as coisas se vão complicando.

- Quando teve uma alegria pela última vez?

- Alegramo-nos todos os dias por continuar a viver e por ainda não estarmos mortos. Isto constitui um capital inestimável.
Aprendi, do ser que se me foi, que nos agarramos à vida até ao fim. No fundo, todos estamos contentes por viver. A vida não pode ser tão má ao ponto de não nos aferrarmos a ela. A curiosidade é o estímulo. Desejamos saber: que mais falta ainda? É mais interessante saber o que acontecerá amanhã do que o que está a acontecer hoje. Quanto mais velhos nos tornamos, mais interessante se torna a vida. Após a destruição do corpo, a mente desenvolve-se surpreendentemente bem.
Aquilo que mais gostaria era de saber tudo. Tento sempre roubar as pessoas, sacar-lhes tudo o que têm dentro, na medida em que isto pode ser praticado às escondidas. Quando as pessoas se apercebem de que estamos a roubá-las, fecham-se. Como quando vemos um suspeito aproximar-se de casa, trancamos a porta. Apesar de também ser possível forçar a porta, quando não resta outro remédio. Toda a gente pode deixar uma janela aberta no desvão. Isso pode ser muito estimulante.

- Alguma vez desejou constituir família?

- Limitei-me simplesmente a sentir-me feliz por sobreviver. Constituir família nem me podia passar pela cabeça. Não tinha saúde e, portanto, também não tinha vontade de pensar nessas coisas. Não me restou outra alternativa senão refugiar-me na minha capacidade de raciocínio, e tentar tirar dela algum proveito, dado que o meu corpo estava esgotado. Estava vazio e assim continuou, durante anos e anos. Isso é bom, ou mau? Quem sabe? Mas é uma forma de viver. A vida pode assumir infinitas formas.
A minha mãe morreu aos quarenta e seis anos. Foi em 1950. Conheci a minha companheira um ano antes. Ao princípio foi só uma amizade e uma relação muito forte com uma pessoa muito mais velha do que eu. Em qualquer lugar do mundo onde me encontrasse, ela era o ponto central a partir do qual eu extraía tudo. Sabia sempre que essa pessoa era totalmente minha nos momentos difíceis. Só tinha de pensar nela, sem sequer procurá-la, e tudo se compunha. Inclusivamente agora, continuo a viver com essa pessoa. Quando estou preocupado pergunto: que farias tu? Assim consegui afastar-me de algumas atrocidades integrais, que não se podem excluir com a idade, uma vez que tudo está dentro de nós. Para mim, ela foi o elemento de moderação e de disciplina. E, por outro lado, também o elemento de abertura ao mundo.

- Em algum momento da sua vida se sentiu satisfeito?

- Nunca me senti satisfeito com a minha vida. Sempre me senti muito necessitado de protecção. Com a minha amiga encontrei protecção e impeliu-me sempre a trabalhar. Ela sentia-se feliz por me ver fazer algo. Por isso foi maravilhoso. Viajávamos. Eu levava-lhe as suas pesadas malas, mas aprendi muitas coisas, por pouco que se possa dizer isto ao referirmo-nos a nós mesmos, pois em todo o caso é sempre pouco, ou quase nada. Mas para mim foi tudo.
Quando eu tinha dezanove anos, na Sicília, mostrou-me onde vivia Pirandello, mas sem o pedantismo enjoativo da pessoa muito culta. Como que de passagem. Fugimos para Roma, para Split, mas o importante então era sobretudo as viagens interiores que fizemos. Vivíamos num lugar perdido no campo, com muita simplicidade. À noite, a neve caía por cima da nossa cama. Sentíamos esta predilecção pela simplicidade. As vacas pastavam junto ao quarto, tocando onde vivíamos, onde tomávamos a sopa rodeados de livros.

- Sente-se contente com a sua vida de escritor?

- Bem, desejamos sempre melhorar a escrever, senão seria de dar em doido. É um fenómeno que aparece com a idade. As composições dever-se-iam ir tornando mais rigorosas. Sempre tentei melhorar progredindo. Partir do último passo para dar o seguinte. Evidentemente, os temas são sempre os mesmos, claro está. Cada um só tem o seu próprio tema e move-se dentro dele. E aí fazemos as coisas bem. Temos sempre muitas ideias: tornarmo-nos monges, ferroviário, ou lenhador talvez. Pertencer às pessoas muito simples. O que evidentemente é um erro, porque não lhes pertencemos. Quando se é como eu, é claro que não podemos transformar-nos em monge, ou em ferroviário, claro está. Sempre fui um solitário. Apesar deste fortíssimo laço sempre estive só. Ao princípio, claro, ainda acreditava que tinha de ir aos sítios e participar. Mas pelo menos desde há um quarto de século que apenas me relaciono com outros escritores.

(...)

--------- «(.)(.)» ---------

§ 9. De Saída:

Tábua de Matérias

§ 1. adivinhem
§ 2. Dito e Feito, por P.D.
§ 3. adivinhem
§ 4. Recensão
§ 5. Playmate absoluta do momento II
§ 6. A Explicação das Pássaras, por A.H.
§ 7. Conto -
§ 8. De Catástrofe em Catástrofe, (2) entrevista exclusiva a Thomas Bernhard, sem kind permission da Quimera.
§ 9. De Saída: Número 3 em preparação...

Número 2 saída a 20 de Maio de 2004.
...