Ano Um / Número 14
--------- «(.)(.)» ---------
Tábua de Matérias
Tábua de Matérias
§ 1. Sumaríssimo.
§ 2. Dito e Feito, por P.D. [ver Sumaríssimo!]
§ 3. Poema erótico do Siglo de Oro, por Anónimo?
§ 4. PAM XIV: Madonna, a visitante.
§ 5. Laura, (cont.), por A.H.
§ 6. O ouvido, por Sofia C.
§ 7. A Noção de Gasto, (III), Georges Bataille.
§ 8. De Saída: Número 15 (como sempre às Quintas!)... e uma surpresa…
--------- «(.)(.)» ---------
§ 1. Sumaríssimo.
Cá estamos, então, caras/os Leitoras/es no nosso Número 14, passada que foi, sem grandes avarias ou acidentes de percurso, diga-se, a edição anterior – as vendas mantêm-se, o share vai subindo face à (ausência de possível) concorrência, etc… Estamos a facturar bem, pronto. Balsemão, tio, não insistas mais com a malta que é escusado, pá!
Desta vez, resolvemos optar, por um contexto e editin’ concept com um grafic-design algo pós-patafísico que em nada fica a dever às sobejamente conhecidas e amaldiçoadas brochuras com que nos atafulham as caixas de correio, ignorando em absoluto o vulgar e legítimo (e, aparentemente, ilegível...): NÃO QUEREMOS PUB, F***-SE!, os balcões de pastelarias e sítios tascómetros afins, com a sempre inovadora e, sobretudo, colorida e irresistível proposta de uma magnífica viagem de fds a Badajoz.
Resumindo, como estamos quase todos de férias…, cá fica então o prospecto número 14, exceptuando, naturalmente, a oferta do pata-negra de Vale da Mula e os cinco (5!) litros de Aceite de Oliva, ab-solutamente virgen… proveniente de Marrocos-Portugal.
Comecemos então pelo triste anúncio do desgosto número único da presente edição, ou seja, desta semana, que tendes, inúteis visitantes, entre mãos, salvo seja: desta feita não contamos com o habitual Dito e Feito, por razões que o próprio já explicou a outros propósitos e noutras vidas… Lamentamos (nada), mas a nossa vida segue em frente. Boas molhas, na Cornualha, na tola e no cocuruto, GFDaM! Julgamos que haverá, igualmente, um estranho mas alegado envolvimento com o não menos invulgar caso das K7’s piratas… mas isso agora… Não queriam mais nada?
Passamos, assim, logo de entrada, a um poema que não envergonha o seu autor (?), um suposto anónimo de um não menos suposto e erótico, pelos vistos, Siglo de Oro…, uma aposta clássica e segura, uma vez que não queremos, na chamada silly season, fustigá-los com grandes novidades literárias. Lá se resolveu a coisa. Considere-se resolvido.
Em seguida, a escolha da – agora, no novo formato, denominada – PAM XIV (desta vez solitária eleição e sem consulta das partes envolvidas nesta embrulhada) que recaiu unanimente e por Maioria absoluta em: Madonna, pelos altos serviços prestados não só à Santa Madre Igreja de Roma e entidades obsoletas e decadentistas afins, mas, sobretudo, Madonna sei dank!, pelo muitíssimo meritório contributo que tem vindo a desenvolver e a dar pela higiene sexual de várias gerações de adolescentes (as?) e não só.
Também esta, sem espinhas, portanto! E agora vem o pior...
Falta-preenchimento, no sentido da fenomenologia de Husserl
A.H. persiste em acreditar (deixá-lo!) piamente no que vai escrevendo - desta vez através de mais um perverso alter ego (?), Laura, outra rameira ingénua, mas com umas mamas excelentes, como adiante veremos, a pobrezinha -, alguma coisa de jeito, e, pela parte que lhe toca, continuar a acreditar que o estilo continua a ser fundamental no autor. A verdade – ainda que relativizada, por demasiado desinteressante quando vista apenas à luz da igualmente obsoleta razão iluminista, pelo menos – da literatura, por assim dizer.
Só um pedido: Por favor, não o acordem… Do not disturb! I’m tryin’ to write somethin’ here… Suckers!
Na secção habitualmente okupada pelo Conto, apresentamos, nada mais nada menos do que inesperada, precisa e originalmente… um conto: O ouvido, por Sofia C., a quem agradecemos desde já a colaboração.
& mesmo antes da saída, confessamos já que, afinal, A Noção…, do Bataille, com que terminamos este número, vai ter de mesmo de ser em quatro suaves prestações, em vez das anteriormente anunciadas 3, só para não monopolizarmos todo o presente número com a tradução (brilhante, diga-se) do senhor B. Sorry. Para a semana há mais.
Boa semana… de preguiça & literatura! Aproveitem bem a chuva deste magnífico Agosto. Uma coisa é certa: Não se repetirá…
--------- «(.)(.)» ---------
§ 2. Dito e Feito, por P.D.
ao que conseguimos apurar…e uma piada de gosto xenófobo duvidoso, mesmo - sobretudo - pela parte de um Lampião.
Seremos breves!...(sic)
As cassetes...
[cf. Sumaríssimo]
--------- «(.)(.)» ---------
§ 3. Poema erótico do Siglo de Oro, anónimo? (who cares?)
15.
Na margem de um regato estando um dia,
alheia de cuidado, uma formosa
de olhar seu próprio inferno desejosa,
por se ver só ali, sem companhia,
a saia ergueu, que vê-lo lhe impedia,
e, satisfeita ao ver tão rica coisa,
disse-lhe com voz mansa e amorosa
que de dentro da alma lhe saía:
«Por vós, sou eu por tantos requestada,
por vós, me of’recem jóias, boa anágoa,
meias, sapatos, manto para o frio.
Um beijo quero dar-vos.» E, abaixada
ao dá-lo, por estar à beira da água,
voltou-se de cabeça e deu no rio.
(anónimo)
--------- «(.)(.)» ---------
§ 5. Laura, por A.H.
(cont.)
Uma pessoa ajuda-a anos a fio a escrever as suas doutorais e louvadas teses sobre esses misóginos do Heidegger e do Wittgenstein e é esta a paga que recebe! Mal-agradecida, pensou, enquanto ia terminando lentamente de calçar os ténis para um sprintezinho matinal, enquanto Giorggio, ou seria Paolo outra vez?, pouco importava para o caso uma vez que eram apenas amigos, acabava de ressonar em paz e sobretudo longe dela que não suportava ressonares.Laura telefonara-lhe há pouco ainda para o handy… parecia absolutamente normal, ou seja, bêbada, muito rouca, putéfia e cabra fria e, ao mesmo tempo, num grande sofrimento, como sempre.Que sim, claro que estava bem (comida, pensou) de mais, que não se esquecera nada dela e de que prometera ajudar, mas que, mesmo assim, regressava só hoje a Roma, com toda a certeza ainda a tempo de jantarem juntas nalgum dos lugares do costume. Sim, que descansasse. Sim. Chegaria por volta das sete e pouco da tarde, mesmo a tempo de saírem para um jantarzinho, e logo teriam tempo suficiente para pôr a escrita em dia. Até logo!Pôs-se de novo a pensar em Inge, não lhe saía da cabeça aquela sua obsessão, crença de que estamos sempre num túmulo encomendado pelos dias que nos couberam em sorte e do qual não há ressureição possível. Destroços, pó e ventania. Nada que se assemelhasse a um tempo, uma alma. Apenas destroços, mais nada.
--------- «(.)(.)» ---------
§ 6. O ouvido, por Sofia C.
O ouvido.
De um lado da parede, o habitante vagueava perdido e com o olhar vazio. Não estava triste, mas sim cansado. Ao fim de tanto tempo, apercebera-se que a luta já não tinha razão de ser, e que era tempo de baixar os braços. Os factos eram mais fortes que tudo o resto. Sentia-se ridículo por ter pensado, por momentos, que poderia fazer valer as suas ideias e demonstrar que era possível fazê-las funcionar. No entanto, as respostas aos seus apelos não chegavam.
Do outro lado da parede, prevalecia a confusão, a falta de tempo e vinte relógios pendurados a lembrar que não se pode parar e que há muitas coisas para fazer. Corria-se de um lado para o outro para fazer tudo e para fazer nada, porque o nada também tomava muito tempo. Os segundos para as respostas já estavam tomados pelos rascunhos, pela cama, pelos tachos e pelas nódoas.
De regresso ao lado oposto, o silêncio era um convidado recebido de braços abertos, porque deste lado, só havia um relógio que sussurrava as horas baixinho, quase sem se fazer notar. O habitante tinha momentos de euforia, de frenesim e de falta de tempo, mas não para as coisas importantes. Um segundo da sua vida era dedicado aos outros, aos que faziam parte da sua caminhada percorrida a passos largos. Durante as suas passadas bem medidas, que tinham tomado tanto de si, tinha estendido cordas a quem as quis agarrar. Uma, duas, várias, as que foram precisas para não perder de vista quem interessava. Mesmo assim, sobraram as cordas de quem não as agarrou e faltaram aquelas que o habitante se tinha esquecido de lançar. Mas ainda ia a tempo, pois o caminho afigurava-se longo… Ainda podia recolher ou lançar umas quantas cordas, até acertar nos imprescindíveis, assim que chegasse à conclusão de quem são.
De vez em quando, o habitante batia na parede três vezes, na esperança de ser ouvido.
- Está aí alguém – perguntava –, alguém me ouve?
Algumas vezes respondiam apenas os vinte relógios, mas por uma vez encontrou do outro lado da trincheira alguém que lhe respondeu. Chegaram a falar mais duas vezes separados pela parede.
A terceira seria a última.
- Estás aí – perguntou o habitante.
- Sim, mas estou com pressa – ouviu-se do outro lado.
- Lembras-te do que te pedi ontem… Acedeste ao meu pedido?
- Não me lembro do que me disseste ontem. Os relógios não deixavam – respondeu rapidamente.
- Disseste-me que sim… E agora, ouves-me – perguntou o habitante.
- Não tenho tempo para te ouvir hoje. Tenho os sacos, o gato e a televisão. Mas podes esperar, não?
- E amanhã, podes ouvir-me?, voltou a perguntar o habitante.
- Amanhã também não, porque tenho os segundos tomados pelos papéis e pelas camisolas, mas acho que podes esperar… Tenta daqui a dois dias, se não tiver o nada a ocupar-me o tempo.
- Depois de amanhã, posso lançar-te uma corda? Só demora duas fracções de segundo a agarrar – insistiu o habitante.
Do outro lado, já só se ouviam os relógios. Durante dias a fio, continuou a aguardar…
Sofia C.
--------- «(.)(.)» ---------
A Noção De Gasto, (III)
4. O gasto funcional das classes ricas
A noção do potlatch propriamente dito deve permanecer reservada aos gastos de tipo agonístico que se fazem por desafio, que comportam contrapartidas e, mais precisamente ainda, aquelas formas de gasto que as sociedades arcaicas não distinguem do intercâmbio.É importante saber que o intercâmbio, na sua origem, foi imediatamente subordinado a um fim humano, apesar de ser evidente que o seu desenvolvimento ligado ao progresso dos modos de produção só começou no estádio em que esta subordinação deixou de ser imediata. O próprio princípio da função de produção exige que os produtos sejam subtraídos à perda, pelo menos provisoriamente.Na economia mercantil, os processos de intercâmbio têm um sentido aquisitivo. As fortunas não se põem já numa mesa de jogo e tornam-se relativamente estáveis. Somente na medida em que a estabilidade fica assegurada, e quando nem sequer umas perdas consideráveis podem colocá-la em perigo, começam a submeter-se ao regime de gasto improdutivo. Os componentes elementares do potlatch encontram-se, nestas novas condições, sob formas que já não são tão directamente agonísticas[1]. O gasto continua a ser destinado a adquirir ou manter o estatuto, mas em princípio não tem por objecto, já, fazê-lo perder para outro.Quaisquer que sejam estas atenuações, o estatuto social está ligado à posse de uma fortuna, mas ainda com a condição de que a fortuna seja parcialmente sacrificada aos gastos sociais improdutivos tais como as festas, os espectáculos e os jogos. Notemos que, nas sociedades selvagens, em que a exploração do homem pelo homem é ainda débil, os produtos da actividade humana não afluem somente para os ricos em razão dos serviços de protecção ou direcção sociais que, ao que parece, prestam mas, também, em razão dos gastos espectaculares da colectividade a que devem fazer face. Nas sociedades chamadas civilizadas, a obrigação funcional da riqueza só desapareceu numa época relativamente recente. A decadência do paganismo implicou a dos jogos e dos cultos a que os romanos ricos deviam obrigatoriamente fazer face. Por isso é que se pôde dizer que o cristianismo individualizou a propriedade, dando ao seu possuidor uma plena disposição dos seus produtos e abolindo a sua função social. Ao abolir esta função, pelo menos enquanto obrigatória, o cristianismo substituiu os gastos pagãos exigidos pelo costume pela esmola livre, quer sob a forma de doações extremamente importantes às igrejas e, mais tarde, aos mosteiros. As igrejas e os mosteiros assumirão precisamente na Idade Media a maior parte da função espectacular.Hoje as formas sociais grandes e livres do gasto improdutivo desapareceram. No entanto, não devemos concluir por isso que o próprio princípio do gasto improdutivo tenha deixado de ser o objectivo da actividade económica.
Henri Cartier-Bresson (On the banks of Marne), Grance, 1938
Henri Cartier-Bresson (On the banks of Marne), Grance, 1938
Semelhante evolução da riqueza, cujos sintomas têm o sentido da enfermidade e do abatimento, conduz a uma vergonha de si mesmo e, ao mesmo tempo, a uma mesquinha hipocrisia. Tudo o que era generoso, orgiástico e desmesurado desapareceu. Os actos de rivalidade, que continuam a condicionar a actividade individual, desenvolvem-se na obscuridade e assemelham-se a arrotos vergonhosos. Os representantes da burguesia mostram um comportamento pudibundo; a exibição de riquezas faz-se agora em privado, conforme convenções enojadiças e deprimentes. Por outro lado, os burgueses da classe media, os empregados e os pequenos comerciantes, que contam com uma fortuna medíocre ou ínfima, acabaram de aviltar o gasto ostentador, que sofreu uma espécie de repartição, e do qual já não resta senão uma multidão de esforços vãos ligados a rancores fastidiosos.No entanto, esses simulacros converteram-se, salvo poucas excepções, na principal razão de viver, de trabalhar e de sofrer para todos aqueles que não têm coragem para submeter a sua ferrugenta sociedade a uma destruição revolucionária. Em redor dos bancos modernos, como em redor dos kwakiutl, o mesmo desejo de deslumbrar anima aos indivíduos e envolve-os num sistema de pequenas vaidades que cegam uns contra os outros como se estivessem diante de uma luz muito forte. A alguns passos do banco, as jóias, os vestidos, os carros esperam nos escaparates o dia que servirão para aumentar o esplendor de um sinistro industrial e de sua velha esposa, mais sinistra ainda. Num grau inferior, pêndulos dourados, aparadores de sala-de-jantar, flores artificiais prestarão serviços igualmente inconfessáveis a fileiras cegas de lojistas. A emulação do ser humano ao ser humano liberta-se como entre os selvagens, com uma brutalidade equivalente. Só a generosidade e a nobreza desapareceram e com elas a contrapartida espectacular que os ricos devolviam aos miseráveis.Enquanto classe possuidora da riqueza, que recebeu com ela a obrigação do gasto funcional, a burguesia moderna caracteriza-se pela negação de princípio que opõe a esta obrigação. Distingue-se da aristocracia por só consentir gastar para si, no interior dela mesma, quer dizer, dissimulando os seus gastos, quando é possível, aos olhos das outras classes. Esta forma particular deve-se, na origem, ao desenvolvimento da sua riqueza à sombra de uma classe nobre mais poderosa que ela. A estas concepções humilhantes de gasto restringido corresponderam as concepções racionalistas que a burguesia desenvolveu a partir do século XVII e que apenas têm o sentido de uma representação do mundo estritamente económica, em sentido vulgar, no sentido burguês da palavra. A aversão ao gasto é a razão de ser e a justificação da burguesia e, ao mesmo tempo, da sua hipocrisia tremenda. Os burgueses utilizaram as prodigalidades da sociedade feudal como um abuso fundamental e, após se apropriarem do poder, julgaram-se, graças aos seus hábitos de dissimulação, em situação de praticar uma dominação aceitável pelas classes pobres. E é justo reconhecer que o povo é incapaz de odiá-los tanto quanto aos seus antigos amos, na medida em que, precisamente, é incapaz de amá-los, pois é impossível aos burgueses dissimular tanto a sordidez do seu rosto quanto a sua ignóbil rapacidade, tão horrivelmente mesquinha que a vida humana fica degradada só com a sua presença.Frente aos burgueses, a consciência popular reduz-se a manter profundamente o princípio do gasto, representando a existência burguesa como que a vergonha do homem e uma sinistra anulação.
Ao opor-se tanto à esterilidade quanto ao gasto, coerentemente com a razão própria do cálculo, a sociedade burguesa não conseguiu mais que desenvolver a mesquinhez universal. A vida humana não torna a encontrar a agitação, segundo as exigências de necessidades irredutíveis, senão no esforço daqueles que desorbitam as consequências das concepções racionalistas correntes. Os modos de gasto tradicional atrofiaram, e o sumptuário tumulto vivente refugiou-se no desencadeamento surpreendente da luta de classes.Os componentes da luta de classes estão presentes na evolução do gasto desde o período arcaico. No potlatch, o rico distribui os produtos que os miseráveis lhe entregam. Procura elevar-se acima de um rival rico como ele, mas o último degrau da elevação a que aspira não tem outro objectivo senão afastá-lo ainda mais da natureza dos miseráveis. Deste modo, o gasto, ainda que tenha uma função social, começa por ser um acto agonístico de separação, de aparência anti-social. O rico consome o que o pobre perde criando para ele uma categoria de decadência e de abjecção que abre a via à escravatura. Portanto, é evidente que, da herança indefinidamente transmitida desde o sumptuário mundo antigo, o moderno recebeu o legado desta categoria, actualmente reservada aos proletários. Sem dúvida, a sociedade burguesa, que pretende governar-se segundo princípios racionais, que tende, além disso, pelo seu próprio movimento, a conseguir uma certa homogeneidade humana, não aceita sem protesto uma divisão que parece destrutiva do próprio homem, mas é incapaz de levar a resistência para além da negação teórica. Dá aos operários direitos iguais aos dos amos e anuncia esta igualdade inscrevendo ostensivamente a palavra sobre os muros. No entanto, os amos, que actuam como se fossem a expressão da própria sociedade, estão preocupados – mais gravemente que por qualquer outro problema – por deixar claro que não participam em nada da abjecção dos homens aos quais dão emprego. O fim da actividade operária é produzir para viver, mas o da actividade patronal é produzir para condenar os produtores operários a uma descomunal miséria. Pois não existe nenhuma disjunção possível entre a qualificação procurada nos modos de gasto próprios do patrão, que tende a elevar-se muito acima da baixeza humana e a própria baixeza, de que esta qualificação é função.
encyclopaedia acephalica
Opor a esta concepção do gasto social agonístico a representação dos numerosos esforços burgueses tendentes a melhorar a sorte dos operários não é mais que a expressão da infâmia das modernas classes superiores, que não têm a coragem de reconhecer as suas destruições. Os gastos realizados pelos capitalistas para socorrer os proletários e dar-lhes a oportunidade de se elevarem na escala humana não testemunham mais que a impotência – por extenuação – para levar até ao fim um processo sumptuário. Uma vez que tem lugar a perda do pobre, o prazer do rico encontra-se pouco a pouco esvaziado do seu conteúdo e neutralizado, colocando-o perante uma espécie de indiferença apática. Nestas condições, a fim de manter, apesar de elementos (sadismo, piedade) que tendem a perturbá-lo, um estado neutro que a própria apatia torna relativamente agradável, pode ser útil compensar uma parte do gasto que engendra a abjecção com um gasto novo tendente a atenuar os resultados da primeira. O sentido político dos patronos, junto a certos desenvolvimentos parciais de prosperidade, permitiu dar às vezes uma amplitude notável a este processo de compensação. Assim é como, nos países anglo-saxónicos, em particular nos Estados Unidos da América, o processo primário só se produz a expensas de uma parte relativamente débil da população e como, numa certa medida, a própria classe operária foi levada a participar nele (sobretudo quando isso era facilitado pela existência prévia de uma classe como a dos negros, tida por abjecta de comum acordo). Mas estas escapatórias, cuja importância está, por outro lado, estritamente limitada, não modificam em nada a divisão fundamental das classes de homens em nobres e ignóbeis. O jogo cruel da vida social não varia através dos diversos países civilizados em que o esplendor insultuoso dos ricos perde e degrada a natureza humana da classe inferior.É preciso acrescentar que a atenuação da brutalidade dos amos que, por outro lado, não se baseia tanto sobre a destruição como sobre as tendências psicológicas para a destruição – corresponde à atrofia geral dos antigos processos sumptuários que caracteriza a época moderna.A luta de classes transforma-se, pelo contrário, na forma mais grandiosa de gasto social, na medida que é retomada e desenvolvida, desta vez por conta dos operários, com uma amplitude que ameaça a própria existência dos amos.(…)
encyclopaedia acephalica
Opor a esta concepção do gasto social agonístico a representação dos numerosos esforços burgueses tendentes a melhorar a sorte dos operários não é mais que a expressão da infâmia das modernas classes superiores, que não têm a coragem de reconhecer as suas destruições. Os gastos realizados pelos capitalistas para socorrer os proletários e dar-lhes a oportunidade de se elevarem na escala humana não testemunham mais que a impotência – por extenuação – para levar até ao fim um processo sumptuário. Uma vez que tem lugar a perda do pobre, o prazer do rico encontra-se pouco a pouco esvaziado do seu conteúdo e neutralizado, colocando-o perante uma espécie de indiferença apática. Nestas condições, a fim de manter, apesar de elementos (sadismo, piedade) que tendem a perturbá-lo, um estado neutro que a própria apatia torna relativamente agradável, pode ser útil compensar uma parte do gasto que engendra a abjecção com um gasto novo tendente a atenuar os resultados da primeira. O sentido político dos patronos, junto a certos desenvolvimentos parciais de prosperidade, permitiu dar às vezes uma amplitude notável a este processo de compensação. Assim é como, nos países anglo-saxónicos, em particular nos Estados Unidos da América, o processo primário só se produz a expensas de uma parte relativamente débil da população e como, numa certa medida, a própria classe operária foi levada a participar nele (sobretudo quando isso era facilitado pela existência prévia de uma classe como a dos negros, tida por abjecta de comum acordo). Mas estas escapatórias, cuja importância está, por outro lado, estritamente limitada, não modificam em nada a divisão fundamental das classes de homens em nobres e ignóbeis. O jogo cruel da vida social não varia através dos diversos países civilizados em que o esplendor insultuoso dos ricos perde e degrada a natureza humana da classe inferior.É preciso acrescentar que a atenuação da brutalidade dos amos que, por outro lado, não se baseia tanto sobre a destruição como sobre as tendências psicológicas para a destruição – corresponde à atrofia geral dos antigos processos sumptuários que caracteriza a época moderna.A luta de classes transforma-se, pelo contrário, na forma mais grandiosa de gasto social, na medida que é retomada e desenvolvida, desta vez por conta dos operários, com uma amplitude que ameaça a própria existência dos amos.(…)
*
Trad. de A.H.
--------- «(.)(.)» ---------
§ 8. De Saída: Número 15 (como sempre às Quintas!)...
Plataforma
a aguardada surpresa: em vez da esquecida recensão, era só para recomendar com entusiasmo a compra (empréstimo, roubo, violação?) e leitura de Plataforma, No meio do mundo, por Michel Houellenbecq – que também por cá já passou há uns números atrás -, em vez de um qualquer «Equador?» ou «Pólilon?» e aberrações semelhantes… Uma boa leitura de férias e está tudo dito!
<< Home