quinta-feira, setembro 30, 2004

Ano Um / Número 19

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Tábua de Matérias

§ 1. Sumaríssimo.
§ 2. Dito e Feito, por A.H.
§ 3. L’ Étranger, por Baudelaire.
§ 3a. O Estrangeiro, por P.D.
§ 4. PAM XIX: Natália Correia.
§ 5. A Explicação das Pássaras, por P.D.
§. 6. De Saída: Número 20 (agora, só daqui as duas Quintas!).

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§ 1. Sumaríssimo.



Hermes.


Este é um número estranho. Por isso…

Admirem-se!


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§ 2. Dito e Feito, por A.H.


Estou mesmo atrasado, f...-se! Estranho...

(…)

Não há paciência - apesar de/sobretudo por não ser uma grande virtude. Certamente que está neste momento preciso Outra vez a vestir-se ainda, sempre a mudar de visual ao longo das horas-putas… maybe prior to calçar as meias de rede... Só phode, klaro. E pouco mais.
Não, desta vez, para variar. Está simplesmente a reler o reconhecido fodilhão do Carl Jung, uma porra de "prólogo", em Memories, Dreams, Reflexions, em vez de escrever.
«A vida sempre me pareceu uma planta que vive no seu rizoma. A sua verdadeira vida é invisível, escondida no rizoma. A parte que surge acima do solo dura apenas um único verão. Depois murcha - uma aparição efémera. Quando pensamos no infinito crescimento e declínio da vida e das civilizações, não podemos escapar à impressão de absoluta nulidade. Todavia nunca perdi um sentido de algo que vive e sofre [dura] debaixo do eterno fluxo. Aquilo que vemos é o desabrochar [a flor], que passa. O rizoma permanece.»
O dissoluto de um corisco!
Dito e feito?, lembra-se, ainda a tempo. Nunca escolheria um título destes. Disso tinha a certeza. Lord assenta-lhe muito melhor, que nem uma luva de pele macia e sobretudo virginal, feita por medida, por assim dizer... Ou, então, simplesmente Flânneur... À falta de melhor conseguimento.
O que há a Dizer? É estranho falar nisso quando passamos o tempo a exigir-nos o silêncio acerca do divino, da doçura da sua possibilidade.
Feito? É o factum, o morto. Ou, teria de ser, má poesia. Original.
Já volto...


A.H.

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§ 3. L’ Étranger, por Charles Baudelaire.


Baudelaire, Charles.


L’ ÉTRANGER

«Qui aimes-tu le mieux, homme énigmatique, dis?
ton père, ta mère, ta soeur ou ton frère?
- Je n’ai ni père, ni mère, ni soeur, ni frère.
- Tes amis?
- Vous vous servez là d’une parole dont le sens
m’est resté jusqu’à ce jour inconnu.
- Ta patrie?
- J’ignore sur quelle latitude elle est située.
- La beauté?
- Je l’aimerais volontiers, déesse et immortelle.
- L’or?
- Je le hais comme vous haïssez Dieu.
- Eh! Qu’aimes tu donc, extraordinaire étranger.
- J’aime les nuages… les nuages qui passent…
là-bas… làs bas… les merveilleux nuages!»


Charles Baudelaire, Oeuvres Complètes, Bibliotèque de la Plêiade, Gallimard, Paris, 1975.

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§ 3a. O Estrangeiro, por P.D.


O Estrangeiro


«O que amas, enigmático homem?
Diz-me, o teu pai, a tua mãe, a tua irmã ou o teu irmão?
– Não tenho pai, nem mãe, nem irmão, nem irmã.
– Os teus amigos?
– Usa uma palavra cujo sentido nunca conheci.
– A tua pátria?
– Ignoro onde seja.
– A beleza?
– Com prazer a amaria, divina e imortal.
– O ouro?
– Odeio-o tanto quanto odeia Deus.
– Mas afinal o que amas, estranho estrangeiro?
– Amo as nuvens… as nuvens que passam…
esta, aquela.... as amáveis nuvens...»

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§ 4. PAM XIX – Natália Correia.


Natália Correia.


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§ 5. A Explicação das Pássaras, por P.D.


Intermezzo quântico (as pássaras no poleiro incerto)


Inge, Max e Laura fodiam como estranhos… sempre de costas voltadas.
As afinidades? Sexo e tédio, o amor aborrecido suspeitado por Inge ou repetido por Laura. E Max goza antes de dormir e ao despertar das frequentes sestas invariavelmente curtas que sonha dentro da caixa da razão suspensa.

Todos em certeza ausente, gemem na exclusão exaustiva dos possíveis preteridos. Se para nada é preciso dizer alguma coisa, pelo menos que se venham em gritos francos.

Pensamento único: tudo se diz, tudo se resolve, de maneira simples, racional e naturalmente errada.

Uma verdade: Deus só não acaba imediatamente com toda a gente deste mundo porque depois ficaria sem nada para fazer. Entre a morte e o tédio, que se foda... basta umas belas pernas!


P.D.

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§ 6. De Saída: Número 20 (agora, só daqui a duas Quintas!)…

quinta-feira, setembro 16, 2004

Ano Um / Número 18

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Tábua de Matérias

§ 1. Sumaríssimo.
§ 2. Dito e Feito, por P.D.
§ 3. …, por José Agostinho Baptista.
§ 4. PAM XVIII: Sarah Bernard.
§ 5. O Silêncio reticente, por A.H.
§ 6. De Saída: Número 19 (agora, daqui as duas Quintas!).
§ 7. A Galinha (Conto Para Meninos Sem Juízo), por Federico Garcia Lorca.

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§ 1. Sumaríssimo.


Este é um Número dedicado ao silêncio. Sshhh… &, sobretudo, não acordem as galinhas!...
Boa sorte...


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§ 2. Dito e Feito, por P.D.




Ludwig Wittgenstein.


7. Wovon man nicht sprechen kan, darüber muss man schweigen.


(Participação especial do amigo Ludwig)

P.D.

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§ 3. …, por José Agostinho Baptista.



De quanto é passado advém-nos o silêncio,
o labor das larvas.

São mares interiores, a vegetação, nervos –
como algas a sua dança enlouquece-nos, estala numa
erupção de fibras:

é a terra; minerais, fontes,
e selva galgando artérias;
é a terra isto que descemos,
as pás que a sulcam, desnorteadas, com a sua arte devastadora
por dentro –

dessas entranhas nos saciámos,
colhemos o medo e a mágoa,
névoa dos túmulos, ossos, uma geada profunda.


José Agostinho Baptista, Autoretrato

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§ 4. PAM XVIII – Sarah Bernard.


Sarah Bernard, a crucificada...


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§ 5. O Silêncio reticente, por A.H.
Zero.

- ou, Acerca dos inocentes, hay que... provocarlos. Sin màs.

(cont.)

A.H.

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§ 6. De Saída: Número 18 (agora, só daqui a 2as Quintas!)…
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§ 7. A Galinha (Conto para meninos sem juízo), por Federico Garcia Lorca.



jEAN Cocteau e os peixes-GAlinha em 1957...


A GALINHA
(CONTO PARA MENINOS SEM JUÍZO)
Havia uma galinha que era idiota. Eu disse idiota. Mas ainda era mais que idiota. Picava-lhe um mosquito e saía a correr. Picava-lhe uma vespa e saía a correr. Picava-lhe um morcego e saía a correr.
Todas as galinhas temem as raposas. Mas esta galinha queria ser comida por elas. E daí que fosse uma galinha idiota. Não era uma galinha. Era uma idiota.
Nas noites de inverno a lua das aldeias dá grandes bofetadas às galinhas. Umas bofetadas que se ouvem pelas ruas. Dá muita vontade de rir. Os padres nunca serão capazes de compreender o porquê destas bofetadas, mas Deus sim. E as galinhas também.
Todos precisam de saber que Deus é um monte vivo. Tem uma pele de mosca e por cima uma pele de vespa e por cima uma pele de andorinha e por cima uma pele de lagarto e por cima uma pele de lombriga e por cima uma pele de homem e por cima uma pele de leopardo e tudo. estais a ver tudo? Pois tudo e ainda uma pele de galinha. Isto era o que a nossa amiga não sabia.
Dá vontade de rir quando reparamos na simpatia das galinhas! Todas têm crista. Todas têm cu. Todas põem ovos. Que me dizes?
A galinha idiota odiava os ovos. Os gatos gostavam deles, é certo, tal como as mãos direitas das pessoas gostam das picadas das silvas ou da iniciação no alfinete. Mas ela odiava o seu próprio ovo. Nada mais bonito, porém, do que um ovo.
Recém-tirado das espigas, mas quente, é a perfeição da boca, a pálpebra e o lóbulo da orelha. A face quente da que ainda agora morreu. É o rosto. Não entendeis? Eu entendo. Dizem-no os contos japoneses e sabem-no também algumas mulheres ignorantes.
Não quero defender a beleza enxuta do ovo, mas como toda a gente louva a pulcritude do espelho e a alegria dos que se espojam na relva, bem está que eu defenda o ovo de uma galinha idiota.
Quero dizer: uma galinha amiga dos homens.
Uma noite a lua estava a repartir bofetadas pelas galinhas. O mar e os telhados e as carvoeiras tinham a mesma luz. Uma luz de onde o besouro recebe as flechas de toda a gente. Ninguém dormia. As galinhas não podiam mais. Tinham as cristas cheias de orvalho e os piolhos tocavam as suas campainhas eléctricas durante o eco das bofetadas.
Por fim um galo decidiu-se.
A galinha idiota defendia-se.
O galo cantou três vezes, mas os galos não sabem enfiar bem as agulhas.
Os sinos das torres tocaram porque tinham de tocar e os regueiros e os corredores e os que jogam golfe ficaram três vezes roxos e tilintantes. Começou a luta.
Galo rápido. Galinha idiota. Galinha rápida. Galo idiota. Ambos rápidos. Ambos idiotas. Galo rápido. Galinha idiota.
Lutavam. Lutavam. Lutavam. E assim toda a noite. E dez. E vinte. E um ano. E dez. E sempre.
in, Suicídio em alexandria, Série K, & etc, Lisboa, 1981.
*

domingo, setembro 05, 2004

AVISO AOS LEITORES d' O SACA-MULAS ORIENTAL

Em Assembleia Geral realizada ontem à tarde na muy ilustre cidade-satélite de Amadora ficou resolvido o seguinte:
O Saca-Mulas Oriental passará a ter uma periodicidade BI-mensal, a contar do Número anterior, id est: vemo-nos numa próxima - com uma mísera semana de interregno - Quinta, segundo creio, a 16/09/04.
Assim sendo, e tendo ficado registada naturalmente em Acta de Assembleia Geral esta tão difícil decisão para este nosso Colégio de Sábios, como diria o outro, até e... boas trepadas!
...just Gettin' away from the return of the Troll-pple...
- se é que nos entender conseguem.
Até jizzz!

quinta-feira, setembro 02, 2004

Ano Um / Número 17


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Tábua de Matérias


§ 1. Sumaríssimo.
§ 2. Dito e Feito, por P.D.
§ 3. Chemins qui ne mènent nulle part, por Rainer Maria Rilke.
§ 4. PAM XVII: George Sand.
§ 5. Laura, V., por A.H.
§ 6. Era no fim que eu me entesava, por Arrabal.
§ 7. Fragmento inédito de 1871, por Friedrich Nietzsche.
§ 8. De Saída: Número 18 (como sempre às Quintas!)...

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§ 1. Sumaríssimo


Aviso já que mais sumário é (quase) impossível, dixit.

Dito e Feito, por P.D., num convite goetheano à perdição, perdão, à reflexão… logo seguido de uns versinhos do caminhante Rilke, outro estreante, assim como de uma George Sand à guiza de PAM XVII, ao que isto chegou...
A continuação de Laura, por A.H. – será que as mulheres não saem do duche?, fica a questão. E não haverá ninguém que ponha-mão nisto?, outra quaestione.
Arrabal dispensa, nuestro hermano, quaisquer comentários; Nietzsche, menos 'mane, idem.

Boa semana de leituras!

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NR – Existem mesmo fortes (reais) possibilidades de nos tornar-mos bi-mensais, não se assustem… já somos quadri.


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§ 2. Dito e Feito, por P.D.



M.C. Escher.

Desta feita, ofereço apenas um convite à reflexão. O fruto virá e a vindima já se anuncia.

«O tigre quer tornar compreensível ao veado a delícia de sorver sangue.»

J. W. Goethe, Máximas e Reflexões, 937.


P.D.

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§ 3. Chemins qui ne mènent nulle part, por Rainer Maria Rilke.


Chemins qui ne mènent nulle part
entre deux prés,
que l’on dirait avec art
de leur but détounés,

chemins qui souvent n’ont
devant eux rien d’autre en face
que le pure space
et la saison.

Rainer Maria Rilke, Vergers.


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§ 4. PAM XVII – George Sand.
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George Sand, ele-même...

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§ 5. Laura, por A.H.


V. De novo duche, sexo, ...
Metade. Quando se sabe se basta? Num momento tão insignificante quanto tudo, o demais resto, incluindo-te a ti mesma. A minha mente não se apazigua com redescrições metafóricas. Nimbo.

No largo a vida continua, os automóveis lá vão parando quase por favor, deixando assim atravessar um ou outro peão junto à passadeira. Bem podia tornar-se observadora de trânsito. O ruído não a perturbava em nada, não tinha nada de especial a pensar, quanto mais a escrever como Inge passava a vida a desafiá-la para fazer. Com o teu potencial, dizia sempre. E de novo Inge, não podia esquecê-la uma vez mais.

Lembrou-se de G., ou seria P.?, nochmals... Resolveu meter-se a correr em direcção a casa, ao contrário do caminho que fizera há pouco, em sentido contrário até àquele banco. Apetecia-lhe novamente picha, cadela indómita, e talvez o generoso X ainda não tivesse tido tempo de ter acordado completamente, à hora exacta para lhe dar a chamada tesão-de-mijo masculina.

Tomara duche antes de sair para correr, o suor, depois, era ainda mais afrodisíaco... Um bailado de plástico e chaparia pintada. As luzes dos edifícios de escritórios que se iam acendendo por aquela hora. E P., afinal era Paolo, não acordara ainda - a noite fôra complicada, difícil, mesmo para um garanhão de realíssima estirpe, se é que me entendem. E depois aquele telefonema para o móvel. A coisa não começara nada bem.

Ao encostar-lhe os lábios docemente à glande amolecida e exposta de circuncidado, sentiu-lhe um leve estremecimento pelo corpo todo, as mãos ternas que não se cansava de observar. Lá fora fazia-se já ouvir mais movimento, o que abafava o início da gemideira mansa dele. Veio-se depressa demais e sem contemplações para quem passara a noite naquila brincadeira, naquilo. Estava de novo replecto, sumarento.

Levantou-se e foi escovar os dentes enquanto o ouviu recair outra vez num sono pesado de fortes, mas justos... A boca amargo-adocicada, intensamente marítima, na passagem rápida para a menta fresca. Terá Wittgenstein, esse punheteiro incurável, alguma vez pensado nisso?

A ponta da língua muito branca. Fresca.

(cont.)


A.H.


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§ 6. Era no fim que eu me entesava, por Arrabal.




Arrabal.


Era no fim que eu me entesava.

A tia Clara, que conhecia a fundo os mistérios do rosário, dirigia o terço todas as noites. A tia Clara só iniciava as suas Avé-Marias alguns instantes depois de termos chegado ao fim dos nossos Santa Maria. Mas não era nessa altura que eu me entesava.
Enquanto rezávamos o terço, descascávamos lentilhas ou feijões. O avô fazia cigarros com ponta de cartão enrolado e filtro de algodão. O avô servia-se do algodão daquele maço que tu e a tia Clara utilizavam.
A tia Clara dizia as Avé-Marias dos primeiro, terceiro e quinto mistérios. A nós, portanto, competia recitar os Santa Maria desses mistérios. A tia Clara dizia os Santa Maria dos segundo e quarto mistérios. E nós tínhamos de recitar as Avé-Marias desses mistérios. Mas não era nessa altura que me entesava e sentia a ponta da pilinha molhada.
O avô fazia cigarros com um aparelho de metal cilíndrico. A servir de filtro, usava o algodão que vocês manchavam de sangue e que eu ia ver ao caixote da cozinha.
A tia Clara, que sabia as ladainhas de cor, dirigia as rezas. Mas não era nesse momento que me entesava e tinha de esconder a braguilha com a ponta da toalha. Também não era quando ela iniciava uma reza, logo a seguir a uma oração em latim.
O avô, quando a tia Clara acabava esta oração, levantava-se da mesa e ia para o corredor fumar um cigarro e passear de um lado para o outro.
Era no fim que eu me entesava. Quando a tia Clara rezava os Padre-Nossos por intenções particulares e a avó a acompanhava com murmúrios pelas suas intenções. Entesava-me e a ponta da pilinha ficava húmida, enquanto respondia aos Padre-Nossos, cada noite mais numerosos, da avó e da tia Clara.

[...]

Foi a tia Clara que mo pôs no alto das coxas com as suas mãos – brancas, frias, afiladas – e mo apertou. Dessa vez, quando entrei, a tia Clara não estava nua e deitada em cima da cama de barriga para baixo. A tia Clara esperava-me de pé, envolta no seu roupão. Tu não sabias de nada e eu nunca e contei.
Empunhava o cinto e olhava para o chão. Mas nesse dia a tia Clara não estava nua nem de barriga para baixo em cima da cama. Não olhei para ela enquanto me falava nem mesmo quando mo pôs.
Em seguida, fomos à missa, a fim de comungar. Sentia dores ao andar, e coxeava. A tia Clara esteve todo o tempo de joelhos e eu também. Cada vez sentia mais dores.
Ao chegar a casa, ela despiu-me as calças e tirou-me o cilício. Estava tão apertado que, quando ela mo tirou com as suas mãos, a dor se tornou mais forte e jorraram algumas gotas de esperma.
Depois, ajoelhámos, rezámos, a tia Clara deitou-se de barriga para baixo em cima da cama e bati-lhe com o cinto. Mas tu nunca soubeste de nada e eu nunca te contei.

[...]
in, Arrabal, Baal Babilónia, Viva la Muerte.

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§ 7. Fragmento inédito de 1871, por Friedrich Nietzsche.


Friedrich Nietzsche.

A MULHER GREGA, por Friedrich Nietzsche

(Fragmento inédito do ano de 1871)


Assim como Platão nos tornou patente a finalidade do Estado despojando-a de todos os seus véus e sombras, compreendeu também com a mesma visão profunda a situação da mulher helénica a respeito do Estado; em ambos os casos considerou tudo o que ao seu redor se movia como uma cópia das ideias eternas a cuja compreensão tinha chegado e diante das quais a realidade só era para ele uma imagem obscurecida, um espelho empenado. Quem, segundo a preocupação geral, considera a posição da mulher na Grécia como pouco digna e contrária às leis da humanidade, terá de reprovar a Platão este mesmo conceito; pois não faz senão justificar logicamente o que já existia na prática. Por conseguinte, aqui temos de repetir a nossa pergunta: a condição da mulher grega não guardava uma relação necessária com o ideal do povo grego?

Porque, com efeito, há uma fase na concepção platónica da mulher que está em aberta oposição aos costumes helénicos.
Platão concede à mulher uma completa participação nos direitos, nos conhecimentos e deveres dos homens, e considera a mulher como um sexo menos forte que não pode ir tão longe quanto o homem, mas sem que esta debilidade a possa privar de tais direitos. A esta estranha concepção não damos nós mais valor que à expulsão do artista do Estado ideal; são ligeiras correcções, pequenas derivações daquela mão, por outro lado, tão firme, e daquele olhar tão sereno, que se toldam à memória do venerado mestre; em tal estado de ânimo acentua os paradoxos daquele e compraz-se, em homenagem ao seu afecto, em exagerar a sua doutrina até à temeridade.
Mas o mais incitante que Platão, como grego, pôde dizer sobre a mulher foi a escandalosa afirmação de que no Estado perfeito a família deve desaparecer. Prescindamos agora de que para que esta medida se levasse a cabo pediu a supressão do matrimónio, substituindo-o pela união, acordada pelo Estado e com fins propriamente estatais, dos homens mais valentes com as mais nobres mulheres, para a obtenção de uma prole formosa. Mas ao dizer isto não fazia senão expressar da maneira mais evidente, sim, demasiado evidente, com uma evidência ofensiva, uma regra de conduta adoptada pelo povo heleno para a génese do génio. Nos próprios costumes do povo grego o direito da família ao homem e à criança estava extraordinariamente limitado: o homem vivia no Estado, a criança crescia para o Estado e da mão do Estado. A vontade grega cuidou de que as necessidades do culto se praticassem num estreito círculo. O indivíduo recebia tudo do Estado, para depois lho devolver. A mulher significava, segundo este, para o Estado o que o sono para o homem. O sono tem a virtude saudável de reconstituir o desgaste produzido pela vigília, é a quietude benfeitora em que termina todo o excesso, a eterna compensação que vem regular todo o excesso. Nele sonha a geração futura. A mulher está mais estreitamente aparentada que o homem com a natureza, e permanece igual a ela em tudo o que é essencial. A cultura é para ela sempre algo exterior que não toca nunca na origem eternamente fiel da natureza, pelo que a cultura da mulher era para o ateniense algo indiferente, quando não mesmo ridículo. Quem considerar esta concepção dos gregos a respeito da mulher como algo indigno e cruel, não deve tomar como ponto de comparação as nossas ilustradas mulheres modernas, pois contra elas bastaria recordar as mulheres olímpicas, Penélope, Antígona ou Electra.


William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion.

Certamente que estas são figuras ideais, mas quem poderia encontrar no mundo moderno tais ideais? Há que ter também em conta que filhos deram à luz estas mulheres e que mulheres devem ter sido elas para dar à luz tais filhos! A mulher grega, como mãe, devia viver na obscuridade, porque as necessidades políticas juntamente com os mais altos fins do Estado assim o exigiam. Devia vegetar como uma planta, num círculo reduzido, como símbolo da sabedoria epicurista[i]. Nos tempos modernos, e como consequência da perda total do instituto do Estado, a mulher devia ser requerida de novo como auxiliar. A sua obra é a família como expediente para o Estado, e neste sentido também o fim artístico do Estado tinha de rebaixar-se ao de uma arte doméstica. Daqui também que as nossas artes tenham concebido a paixão amorosa como o único campo completamente acessível à mulher. E por isso mesmo considera a educação doméstica como a única natural, e a do Estado como um ataque aos seus direitos, que suporta de má vontade; e tudo isto com razão tratando-se do Estado moderno. A essência da mulher continua a ser a mesma, mas o seu poder é diferente segundo a posição do Estado com respeito a ela. Tem certamente o dom de compensar de certo modo as lacunas do Estado, sempre fiel à sua condição, que comparei com o sono. Na antiguidade helénica aceitaram a posição que lhes era indicada pela suprema vontade do Estado, e, no entanto, gozaram de uma soberania de que não voltaram a gozar. As deusas da mitologia grega são a sua imagem reflectida: a Pitonisa e a Sibila, assim como a socrática Diotima, são sacerdotisas por cuja boca fala a sabedoria divina. Agora compreende-se que a altiva resignação das espartanas diante da notícia do filho morto na guerra não é nenhuma fábula. A mulher sentia-se no seu lugar com relação ao Estado; por isso mostrava uma dignidade que não voltou a sentir. Platão, que ao suprimir a família e o matrimónio acentuava ainda mais aquela posição da mulher, sente tanto respeito por elas, que se viu seduzido de modo estranho a devolver-lhes o status que lhes correspondia por uma ulterior declaração da igualdade de posição relativamente ao homem. O mais alto triunfo da mulher antiga: ter seduzido aos sábios!
Enquanto o Estado permanece ainda num período embrionário, prepondera a mulher como mãe e determina o grau e a índole da cultura, tal como está destinada a completar o Estado destruído. O que Tácito diz das mulheres alemãs: inesse quin etiam sanctum aliquid et providum putant nec aut consilia earum aspernantur aut responsa neglegunt, pode aplicar-se em geral a todos os povos que não chegaram a constituir Estado. Em tais estados sente-se mais afincadamente o que se torna a sentir em todas as épocas: o instinto invencível da mulher como protectora das futuras gerações, porque nelas a natureza fala-nos dos seus cuidados para a conservação da espécie. A intensidade desta força intuitiva estará determinada pela maior ou menor consolidação do Estado: nos momentos de desorganização e de arbitrariedade, em que o capricho ou a paixão do homem individual arrasta tribos inteiras, a mulher levanta-se repentinamente como profetisa admonitória.
Mas também na Grécia houve sempre o temor de que o instinto político terrivelmente exacerbado pulverizasse os pequenos Estados antes que estes tivessem conseguido os seus fins. Neste caso a vontade helénica forjava sempre novos instrumentos para pregar a franqueza, a cordura, a moderação; mas sobretudo Pitia foi quem encarnou como nenhuma aquele poder da mulher para equilibrar o Estado. Pelo facto de a Grécia, apesar de estar tão desagregada em pequenas estirpes e comunidades estatais, ser no fundo uma, e no seu desdobramento não fazia senão resolver os seus próprios problemas, é a melhor prenda aquele maravilhoso fenómeno da Pitonisa e o oráculo de Delfos; pois sempre, enquanto o génio grego elaborou as suas obras de arte, falou por uma boca e como uma Pitonisa. E aqui não podemos calar o nosso pressentimento de que a individuação é para a Vontade uma grande necessidade, e que esta, para realizar cada indivíduo, necessita de uma escala infinita de indivíduos. É verdade que sentimos a vertigem perante a conjectura de se a Vontade, para transformar-se em arte, se esvaziou nestes mundos, estrelas, corpos e átomos; mas em todo caso devemos ver claramente que a arte é necessária, não para os indivíduos, senão para a própria Vontade, sublime perspectiva sobre a qual já nos será permitido noutra ocasião arrojar um olhar desde outro ponto de vista.

Friedrich Nietzsche.

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§ 8. De Saída: Número 18 (como sempre às Quintas!)...

[i] Vive retirado.

jizzzzzzzzzz!