quinta-feira, setembro 02, 2004

Ano Um / Número 17


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Tábua de Matérias


§ 1. Sumaríssimo.
§ 2. Dito e Feito, por P.D.
§ 3. Chemins qui ne mènent nulle part, por Rainer Maria Rilke.
§ 4. PAM XVII: George Sand.
§ 5. Laura, V., por A.H.
§ 6. Era no fim que eu me entesava, por Arrabal.
§ 7. Fragmento inédito de 1871, por Friedrich Nietzsche.
§ 8. De Saída: Número 18 (como sempre às Quintas!)...

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§ 1. Sumaríssimo


Aviso já que mais sumário é (quase) impossível, dixit.

Dito e Feito, por P.D., num convite goetheano à perdição, perdão, à reflexão… logo seguido de uns versinhos do caminhante Rilke, outro estreante, assim como de uma George Sand à guiza de PAM XVII, ao que isto chegou...
A continuação de Laura, por A.H. – será que as mulheres não saem do duche?, fica a questão. E não haverá ninguém que ponha-mão nisto?, outra quaestione.
Arrabal dispensa, nuestro hermano, quaisquer comentários; Nietzsche, menos 'mane, idem.

Boa semana de leituras!

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NR – Existem mesmo fortes (reais) possibilidades de nos tornar-mos bi-mensais, não se assustem… já somos quadri.


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§ 2. Dito e Feito, por P.D.



M.C. Escher.

Desta feita, ofereço apenas um convite à reflexão. O fruto virá e a vindima já se anuncia.

«O tigre quer tornar compreensível ao veado a delícia de sorver sangue.»

J. W. Goethe, Máximas e Reflexões, 937.


P.D.

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§ 3. Chemins qui ne mènent nulle part, por Rainer Maria Rilke.


Chemins qui ne mènent nulle part
entre deux prés,
que l’on dirait avec art
de leur but détounés,

chemins qui souvent n’ont
devant eux rien d’autre en face
que le pure space
et la saison.

Rainer Maria Rilke, Vergers.


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§ 4. PAM XVII – George Sand.
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George Sand, ele-même...

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§ 5. Laura, por A.H.


V. De novo duche, sexo, ...
Metade. Quando se sabe se basta? Num momento tão insignificante quanto tudo, o demais resto, incluindo-te a ti mesma. A minha mente não se apazigua com redescrições metafóricas. Nimbo.

No largo a vida continua, os automóveis lá vão parando quase por favor, deixando assim atravessar um ou outro peão junto à passadeira. Bem podia tornar-se observadora de trânsito. O ruído não a perturbava em nada, não tinha nada de especial a pensar, quanto mais a escrever como Inge passava a vida a desafiá-la para fazer. Com o teu potencial, dizia sempre. E de novo Inge, não podia esquecê-la uma vez mais.

Lembrou-se de G., ou seria P.?, nochmals... Resolveu meter-se a correr em direcção a casa, ao contrário do caminho que fizera há pouco, em sentido contrário até àquele banco. Apetecia-lhe novamente picha, cadela indómita, e talvez o generoso X ainda não tivesse tido tempo de ter acordado completamente, à hora exacta para lhe dar a chamada tesão-de-mijo masculina.

Tomara duche antes de sair para correr, o suor, depois, era ainda mais afrodisíaco... Um bailado de plástico e chaparia pintada. As luzes dos edifícios de escritórios que se iam acendendo por aquela hora. E P., afinal era Paolo, não acordara ainda - a noite fôra complicada, difícil, mesmo para um garanhão de realíssima estirpe, se é que me entendem. E depois aquele telefonema para o móvel. A coisa não começara nada bem.

Ao encostar-lhe os lábios docemente à glande amolecida e exposta de circuncidado, sentiu-lhe um leve estremecimento pelo corpo todo, as mãos ternas que não se cansava de observar. Lá fora fazia-se já ouvir mais movimento, o que abafava o início da gemideira mansa dele. Veio-se depressa demais e sem contemplações para quem passara a noite naquila brincadeira, naquilo. Estava de novo replecto, sumarento.

Levantou-se e foi escovar os dentes enquanto o ouviu recair outra vez num sono pesado de fortes, mas justos... A boca amargo-adocicada, intensamente marítima, na passagem rápida para a menta fresca. Terá Wittgenstein, esse punheteiro incurável, alguma vez pensado nisso?

A ponta da língua muito branca. Fresca.

(cont.)


A.H.


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§ 6. Era no fim que eu me entesava, por Arrabal.




Arrabal.


Era no fim que eu me entesava.

A tia Clara, que conhecia a fundo os mistérios do rosário, dirigia o terço todas as noites. A tia Clara só iniciava as suas Avé-Marias alguns instantes depois de termos chegado ao fim dos nossos Santa Maria. Mas não era nessa altura que eu me entesava.
Enquanto rezávamos o terço, descascávamos lentilhas ou feijões. O avô fazia cigarros com ponta de cartão enrolado e filtro de algodão. O avô servia-se do algodão daquele maço que tu e a tia Clara utilizavam.
A tia Clara dizia as Avé-Marias dos primeiro, terceiro e quinto mistérios. A nós, portanto, competia recitar os Santa Maria desses mistérios. A tia Clara dizia os Santa Maria dos segundo e quarto mistérios. E nós tínhamos de recitar as Avé-Marias desses mistérios. Mas não era nessa altura que me entesava e sentia a ponta da pilinha molhada.
O avô fazia cigarros com um aparelho de metal cilíndrico. A servir de filtro, usava o algodão que vocês manchavam de sangue e que eu ia ver ao caixote da cozinha.
A tia Clara, que sabia as ladainhas de cor, dirigia as rezas. Mas não era nesse momento que me entesava e tinha de esconder a braguilha com a ponta da toalha. Também não era quando ela iniciava uma reza, logo a seguir a uma oração em latim.
O avô, quando a tia Clara acabava esta oração, levantava-se da mesa e ia para o corredor fumar um cigarro e passear de um lado para o outro.
Era no fim que eu me entesava. Quando a tia Clara rezava os Padre-Nossos por intenções particulares e a avó a acompanhava com murmúrios pelas suas intenções. Entesava-me e a ponta da pilinha ficava húmida, enquanto respondia aos Padre-Nossos, cada noite mais numerosos, da avó e da tia Clara.

[...]

Foi a tia Clara que mo pôs no alto das coxas com as suas mãos – brancas, frias, afiladas – e mo apertou. Dessa vez, quando entrei, a tia Clara não estava nua e deitada em cima da cama de barriga para baixo. A tia Clara esperava-me de pé, envolta no seu roupão. Tu não sabias de nada e eu nunca e contei.
Empunhava o cinto e olhava para o chão. Mas nesse dia a tia Clara não estava nua nem de barriga para baixo em cima da cama. Não olhei para ela enquanto me falava nem mesmo quando mo pôs.
Em seguida, fomos à missa, a fim de comungar. Sentia dores ao andar, e coxeava. A tia Clara esteve todo o tempo de joelhos e eu também. Cada vez sentia mais dores.
Ao chegar a casa, ela despiu-me as calças e tirou-me o cilício. Estava tão apertado que, quando ela mo tirou com as suas mãos, a dor se tornou mais forte e jorraram algumas gotas de esperma.
Depois, ajoelhámos, rezámos, a tia Clara deitou-se de barriga para baixo em cima da cama e bati-lhe com o cinto. Mas tu nunca soubeste de nada e eu nunca te contei.

[...]
in, Arrabal, Baal Babilónia, Viva la Muerte.

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§ 7. Fragmento inédito de 1871, por Friedrich Nietzsche.


Friedrich Nietzsche.

A MULHER GREGA, por Friedrich Nietzsche

(Fragmento inédito do ano de 1871)


Assim como Platão nos tornou patente a finalidade do Estado despojando-a de todos os seus véus e sombras, compreendeu também com a mesma visão profunda a situação da mulher helénica a respeito do Estado; em ambos os casos considerou tudo o que ao seu redor se movia como uma cópia das ideias eternas a cuja compreensão tinha chegado e diante das quais a realidade só era para ele uma imagem obscurecida, um espelho empenado. Quem, segundo a preocupação geral, considera a posição da mulher na Grécia como pouco digna e contrária às leis da humanidade, terá de reprovar a Platão este mesmo conceito; pois não faz senão justificar logicamente o que já existia na prática. Por conseguinte, aqui temos de repetir a nossa pergunta: a condição da mulher grega não guardava uma relação necessária com o ideal do povo grego?

Porque, com efeito, há uma fase na concepção platónica da mulher que está em aberta oposição aos costumes helénicos.
Platão concede à mulher uma completa participação nos direitos, nos conhecimentos e deveres dos homens, e considera a mulher como um sexo menos forte que não pode ir tão longe quanto o homem, mas sem que esta debilidade a possa privar de tais direitos. A esta estranha concepção não damos nós mais valor que à expulsão do artista do Estado ideal; são ligeiras correcções, pequenas derivações daquela mão, por outro lado, tão firme, e daquele olhar tão sereno, que se toldam à memória do venerado mestre; em tal estado de ânimo acentua os paradoxos daquele e compraz-se, em homenagem ao seu afecto, em exagerar a sua doutrina até à temeridade.
Mas o mais incitante que Platão, como grego, pôde dizer sobre a mulher foi a escandalosa afirmação de que no Estado perfeito a família deve desaparecer. Prescindamos agora de que para que esta medida se levasse a cabo pediu a supressão do matrimónio, substituindo-o pela união, acordada pelo Estado e com fins propriamente estatais, dos homens mais valentes com as mais nobres mulheres, para a obtenção de uma prole formosa. Mas ao dizer isto não fazia senão expressar da maneira mais evidente, sim, demasiado evidente, com uma evidência ofensiva, uma regra de conduta adoptada pelo povo heleno para a génese do génio. Nos próprios costumes do povo grego o direito da família ao homem e à criança estava extraordinariamente limitado: o homem vivia no Estado, a criança crescia para o Estado e da mão do Estado. A vontade grega cuidou de que as necessidades do culto se praticassem num estreito círculo. O indivíduo recebia tudo do Estado, para depois lho devolver. A mulher significava, segundo este, para o Estado o que o sono para o homem. O sono tem a virtude saudável de reconstituir o desgaste produzido pela vigília, é a quietude benfeitora em que termina todo o excesso, a eterna compensação que vem regular todo o excesso. Nele sonha a geração futura. A mulher está mais estreitamente aparentada que o homem com a natureza, e permanece igual a ela em tudo o que é essencial. A cultura é para ela sempre algo exterior que não toca nunca na origem eternamente fiel da natureza, pelo que a cultura da mulher era para o ateniense algo indiferente, quando não mesmo ridículo. Quem considerar esta concepção dos gregos a respeito da mulher como algo indigno e cruel, não deve tomar como ponto de comparação as nossas ilustradas mulheres modernas, pois contra elas bastaria recordar as mulheres olímpicas, Penélope, Antígona ou Electra.


William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion.

Certamente que estas são figuras ideais, mas quem poderia encontrar no mundo moderno tais ideais? Há que ter também em conta que filhos deram à luz estas mulheres e que mulheres devem ter sido elas para dar à luz tais filhos! A mulher grega, como mãe, devia viver na obscuridade, porque as necessidades políticas juntamente com os mais altos fins do Estado assim o exigiam. Devia vegetar como uma planta, num círculo reduzido, como símbolo da sabedoria epicurista[i]. Nos tempos modernos, e como consequência da perda total do instituto do Estado, a mulher devia ser requerida de novo como auxiliar. A sua obra é a família como expediente para o Estado, e neste sentido também o fim artístico do Estado tinha de rebaixar-se ao de uma arte doméstica. Daqui também que as nossas artes tenham concebido a paixão amorosa como o único campo completamente acessível à mulher. E por isso mesmo considera a educação doméstica como a única natural, e a do Estado como um ataque aos seus direitos, que suporta de má vontade; e tudo isto com razão tratando-se do Estado moderno. A essência da mulher continua a ser a mesma, mas o seu poder é diferente segundo a posição do Estado com respeito a ela. Tem certamente o dom de compensar de certo modo as lacunas do Estado, sempre fiel à sua condição, que comparei com o sono. Na antiguidade helénica aceitaram a posição que lhes era indicada pela suprema vontade do Estado, e, no entanto, gozaram de uma soberania de que não voltaram a gozar. As deusas da mitologia grega são a sua imagem reflectida: a Pitonisa e a Sibila, assim como a socrática Diotima, são sacerdotisas por cuja boca fala a sabedoria divina. Agora compreende-se que a altiva resignação das espartanas diante da notícia do filho morto na guerra não é nenhuma fábula. A mulher sentia-se no seu lugar com relação ao Estado; por isso mostrava uma dignidade que não voltou a sentir. Platão, que ao suprimir a família e o matrimónio acentuava ainda mais aquela posição da mulher, sente tanto respeito por elas, que se viu seduzido de modo estranho a devolver-lhes o status que lhes correspondia por uma ulterior declaração da igualdade de posição relativamente ao homem. O mais alto triunfo da mulher antiga: ter seduzido aos sábios!
Enquanto o Estado permanece ainda num período embrionário, prepondera a mulher como mãe e determina o grau e a índole da cultura, tal como está destinada a completar o Estado destruído. O que Tácito diz das mulheres alemãs: inesse quin etiam sanctum aliquid et providum putant nec aut consilia earum aspernantur aut responsa neglegunt, pode aplicar-se em geral a todos os povos que não chegaram a constituir Estado. Em tais estados sente-se mais afincadamente o que se torna a sentir em todas as épocas: o instinto invencível da mulher como protectora das futuras gerações, porque nelas a natureza fala-nos dos seus cuidados para a conservação da espécie. A intensidade desta força intuitiva estará determinada pela maior ou menor consolidação do Estado: nos momentos de desorganização e de arbitrariedade, em que o capricho ou a paixão do homem individual arrasta tribos inteiras, a mulher levanta-se repentinamente como profetisa admonitória.
Mas também na Grécia houve sempre o temor de que o instinto político terrivelmente exacerbado pulverizasse os pequenos Estados antes que estes tivessem conseguido os seus fins. Neste caso a vontade helénica forjava sempre novos instrumentos para pregar a franqueza, a cordura, a moderação; mas sobretudo Pitia foi quem encarnou como nenhuma aquele poder da mulher para equilibrar o Estado. Pelo facto de a Grécia, apesar de estar tão desagregada em pequenas estirpes e comunidades estatais, ser no fundo uma, e no seu desdobramento não fazia senão resolver os seus próprios problemas, é a melhor prenda aquele maravilhoso fenómeno da Pitonisa e o oráculo de Delfos; pois sempre, enquanto o génio grego elaborou as suas obras de arte, falou por uma boca e como uma Pitonisa. E aqui não podemos calar o nosso pressentimento de que a individuação é para a Vontade uma grande necessidade, e que esta, para realizar cada indivíduo, necessita de uma escala infinita de indivíduos. É verdade que sentimos a vertigem perante a conjectura de se a Vontade, para transformar-se em arte, se esvaziou nestes mundos, estrelas, corpos e átomos; mas em todo caso devemos ver claramente que a arte é necessária, não para os indivíduos, senão para a própria Vontade, sublime perspectiva sobre a qual já nos será permitido noutra ocasião arrojar um olhar desde outro ponto de vista.

Friedrich Nietzsche.

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§ 8. De Saída: Número 18 (como sempre às Quintas!)...

[i] Vive retirado.

jizzzzzzzzzz!